Publiquem el pròleg de «Mancomunidade. Uma terra livre sem Estado» (Ardora, 2019), llibre de Joám Evans Pin. Una proposta fonamentada en una organització comunal del territori. Dividida en tres seccions principals: 1) Una proposta mancomunitària com a organització política i territorial i la seva possible aplicació per al cas gallec; 2) Un repàs als antecedents en relació a comunitats que a Galícia es van estructurar paral·lelament a l’Estat; 3) Una síntesi que explica el sentit d’una Galícia sense Estat. El pròleg l’escriu Lara Barros, activista vinculada al sindicalisme agrari i historiadora especialista en monts veïnals.
El llibre es pot comprar a l’editorial o descarregar en pdf a la Biblioteca de Reconstruir el Comunal.
Sempre pengem textos traduïts al català. En aquest cas, si algú s’anima a traduir el pròleg o alguna part del text, que ho digui.
O texto que tenho o prazer de prologar é um autêntico exercício de liberdade. Liberdade de pensamento, liberdade de conexões, liberdade de propostas… O que o próprio autor apresenta como “um atrevido exercício de política ficção” nasce, ao meu ver, de uma maravilhosa liberdade para sonhar, para construir pontes entre diferentes cenários, momentos históricos e pensamentos, para formular perguntas diferentes e, através delas, reconstruir ou resgatar outros relatos nos quais olhar-nos.
No complexo processo da construção da identidade, tanto pessoal como coletiva, a memória guarda um lugar especial. Necessitamos saber quem fomos e quem somos, bem para alimentar continuidades como para empreender transformações. O invisível é impensável, inapreensível. É por isso que a história oficial cumpre à perfeição a sua missão civilizatória, exaltando os relatos que o poder escolhe para legitimar-se, aqueles que colocam o progresso, o estado, o homem, como medida de todas as cousas. O modelo político-social do capitalismo, tem construído uma memória de caráter teleológico em que o progresso, como motor da história, trouxe-nos a um presente entendido como cume da civilização, marcado por uma ciência sem limites e um progresso tecnológico ascendente. Esta forma de construir o discurso histórico esconde a justificação de uma civilização em crise, e é precisamente nos seus silêncios onde poderemos avistar as respostas que necessitamos para mudar-lhe o rumo. Cumpre ir detrás das pegadas que nos achegariam a outras conceções da sociedade, a outras cosmovisões que se plasmam noutros modelos de organização da vida, noutras maneiras de vincular-se entre as pessoas tanto no pessoal como no político, assim como destas com os seus territórios.
Neste sentido, Jóam abre a porta às vozes subalternas que foram ficando atrás no tempo, mas sem as quais, apenas poderíamos entender muito do que hoje somos e temos. No seu esforço por situar e aterrar a ânsia libertária da “comuna livre”, contextualizá-la e adaptá-la social e culturalmente à Galiza, procura vieiros alternativos com os quais percorrer a nossa história. Deles, emergem as comunidades rurais como autênticos e ativos sujeitos históricos, protagonistas de uma sociedade fundamentalmente labrega, com uma forte ligação ao território e com uma alta capacidade de auto-organização e autogoverno. Da minha perspetiva, neste livro podemos encontrar uma mostra do que a filósofa e teórica Gayatri Spivak identifica como essencialismo estratégico nas correntes de estudos pós-coloniais. Tratar-se-ia de um recurso necessário e facilitador para a escuta e a compreensão do que foi negado, invisibilizado, invalidado, desprezado, adoptando-se uma imagem simplificada mas significativa daquilo que se quer pôr em valor.
Desta maneira, são apresentadas neste livro as comunidades rurais galegas ao longo do tempo, unidas polo ideal da mancomunidade como modelo de organização político-territorial. Graças a isto, achegamos-nos a identidades esquecidas e ignoradas para dar a possibilidade de reabilitar a sua voz na nossa memória.
Nessa direção, o autor percorre a nossa história para ir destecendo aqueles mitos que calharam num imaginário interessado de uma Galiza rural marcada fundamentalmente polo atraso, o submetimento e o caciquismo, para criar novos referentes que põem em valor e visibilizam as suas formas de organização e autogoverno.
Umas comunidades rurais assentadas em instituições próprias, que foram resistindo ao longo dos séculos, adaptando-se a diferentes estruturas políticas e sócio-económicas, mas sustendo um espírito autónomo e soberano. Os chamados concelhos abertos, sistemas de autogoverno que operavam no nível da comunidade vizinha, fosse esta de lugar, aldeia ou paróquia, supunham o cimento de uma economia reprodutiva, fortemente ligada ao território e na qual a existência de comunidade era premissa necessária. E, para além de ideais atemporais situados numa tradição que nunca se deixa apreijar, Joám leva-nos à Idade do Ferro, ao mundo dos castros, à Idade Média, à construção do estado liberal no XIX, ao presente das Comunidades de Montes Vizinhais em Mão Comum… E nessa viagem, mostra-nos como sim é possível falar duma institucionalidade própria nas comunidades rurais, que se iria herdando de geração em geração, paralela e alheia à ideia de estado. Poucas são as fontes diretas que nos permitem conhecer pormenorizadamente o seu devir ao longo do tempo, em parte, acho, porque pouco se têm procurado. Por isso é necessário, como aponta o autor, abrir o campo do conhecimento histórico, arrecadar fontes novas, revisar as conhecidas, para dar aos concelhos abertos e às suas instituições análogas o lugar que devem ocupar na dimensão da nossa história, que, com certeza, é muito maior do que tem hoje. Poucas som as fontes diretas, sim, mas habelas hainas, como as bruxas, todo é questão de reconstruir o olhar. Numa investigação por terras ourensãs, topei com uma ata de 1593 duma assembleia vizinhal protocolizada por um notário.
Nela a vizinhança, ao pé da igreja, ao som de campã tangida, “à voz de concelho”, delibera sobre os montes da contorna e os seus usos, toma decisões e estabelece ordenanças reguladoras, acompanhadas de sanções em caso de não se cumprirem. De 1670, por terras de Cotobade, no pleito entre duas comunidades vizinhas polo pasto comunal existente entre ambas, emerge a chamada justiça rústica, é dizer, a intervenção de “homens bons”, vizinhos e labregos da zona, de igual status que os demais, que cumprem um rol de mediação comunitária para a resolução de conflitos bem melhor do que hoje. E, o surpreendente para mim neste caso, a sua autoridade devia ser tal que a própria Real Audiência da Galiza, tribunal do Reino, incorpora o seu ditame sem modificá-lo. Som dous casos, mas detrás deles, pode-se entrever a força com a qual operava essa institucionalidade de que estamos a falar.
E no espelho da história, vê Joám o germolo necessário para repensar-nos num modelo de organização político-territorial sem estado, em que a restauração da paróquia como entidade autónoma, seria o eixo de todo o sistema mancomunado.
Dela partiriam os vínculos comunitários primeiros, a primeira organização social, que teria de base a “casa aberta” e de eixo vertebrador a relação de vizinhança. Bem parece uma utopia com a qual escorrentar os medos que o futuro projeta sobre um presente em crise, mas o certo é que, algo disto, já existe, já está a acontecer.
A dia de hoje, há classificadas umas 2.800 Comunidades de Montes Vizinhais em Mão Comum para toda a Galiza, estendendo os seus direitos de propriedade e uso coletivo sobre umas 700.000 hectares; a assembleia comuneira é a sua base de ação, e para pertencer a ela é preciso ter casa com fume, é dizer, ter uma relação de vizinhança com o território, ser parte da comunidade que nele habita. Tanto pela sua estrutura organizativa como pela sua essência, as CMVMC são uma ferramenta através das quais recuperar autonomia e capacidade de autogoverno sobre os territórios. A sua diversidade de situações, circunstâncias, trajetórias ou funcionamento, é muita, e não podemos falar de um tudo ideal e compacto, mas sim de que partem de uma base partilhada em que a vizinhança se faz soberana do seu território e desenvolve mecanismos de participação direta. Contudo, os termos de igualdade formal que sustentam este sistema, têm muito caminho que andar para tornarem-se efetivos. Não podemos obviar a estrutura relacional de domínio e submissão que caracterizam o sistema patriarcal, aplicável bem no sistema sexo-género, bem na relação com a natureza ou no tecido organizativo das comunidades. Muito há que sachar neste terreno ainda, já que a realidade diz que a percentagem de participação de mulheres nos órgãos de participação das CMVMC é mínima, que uma grande quantidade de hectares geridas comunalmente favorecem usos que para nada compatibilizam com o equilíbrio ambiental, ou que muitas juntas reitoras levam anos nas mesmas mãos, com uma participação vizinhal antes bem pobre ou escassa.
Por último, e quiçá o mais importante para mim, o grande valor deste livro reside na mão de quem o escreve. É um exercício de liberdade de pensamento, como dizia ao começo, mas sustentado numa liberdade de ação que lhe dá um alto conhecimento de causa. Não está escrito num gavinete, senão numa aldeia, numa comunidade de montes vizinhais, numa paróquia que luta por sê-lo, na condição de comuneiro… Em Joám, pensamento e ação têm encontrado certo equilíbrio nem sempre fácil de conseguir. A CMVMC de Frojám (Vila Cova, Lousame), na qual participa ativamente, é berço de iniciativas transformadoras do seu território e da sua comunidade, como são os projetos de educação ambiental de Montescola, o Centro de Saberes para a Sustentabilidade ou as brigadas deseucalipizadoras que atualmente espalham esperança polo país adiante. A isto há que acrescentar a preocupação pela recuperação da memória histórica na zona através da participação na Sociedade Histórica e Cultural «Coluna Sanfins», ou a luta contra os projetos de mega-minaria que ameaçam o entorno. E muitas mais cousas que levam a que, um sistema mítico ou utópico, seja real. A base, a ação, a própria vida… são em Joám, ao meu ver, os alicerces do seu pensamento, e isto é o que o tornam autêntico.
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